Micael: o espírito de uma nova época
Micael é um nome da tradição judaico-cristã, Micha-El, que significa:
“O Semblante de Deus” ou “quem é como Deus”.
Na tradição religiosa de algumas regiões do Brasil, Micael é o São Jorge conhecido também como São Miguel, o santo guerreiro que domina o Dragão da maldade.
Na literatura brasileira, Riobaldo o jagunço do Grande Sertão Veredas é o representante sertanejo desta luta micaélica contra o mal.
“Reza é que sara loucura. No geral. Isso é salvação da alma… Muita religião, seu moço! Eu cá não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio… Uma só, para mim é pouco, talvez não me chegue.” (João Guimarães Rosa)
Na tradição religiosa da Europa o culto a Micael foi representado nos afrescos que coloriam as grossas paredes de algumas igrejas românicas do século X. Em uma época em que as artes plásticas expressavam o auge da alma da fé e a verdade estava associada com o sentimento, o homem medieval ainda conseguia abarcar no íntimo a influência de forças suprasensoriais no seu desenvolvimento pessoal.
A tradição do culto ao Arcanjo Micael é ainda mais antiga. Nos ensinamentos da sabedoria antiga os nossos ancestrais designavam como “micaélico” o esforço anímico de penetrar na realidade e perceber a atuação de leis cósmicas. E o conhecimento destas leis que eles percebiam refletidas na natureza era acolhido na alma como inspiração do mundo espiritual.
Na tradição esotérica os Arcanjos eram denominados de seres da luz. Na Gênesis da cultura egípcia esta tradição é relatada poeticamente:
“No início era o RA, a consciência cósmica. E Ela, ao acordar, chamou a Si.”
Ao se empenhar em resgatar conscientemente a sabedoria dos antigos mistérios, Rudolf Steiner considerou o ser humano como um ser espiritual entre outros seres espirituais. No seu livro Ciência Oculta, ele refere-se aos Arcanjos como as hierarquias espirituais que, durante a Cosmogênese acordaram ao enxergar o seu reflexo luminoso no exterior. A essência destas hierarquias era a própria luz e elas se tornaram ao longo da evolução, guardiãs da inteligência cósmica assumindo a missão de proteger o amor divino contido nesta inteligência que criou e transformou tudo em sabedoria para o bem de todos. Esta liderança, ou Espírito da Época, era refletida em determinados períodos culturais do desenvolvimento da humanidade fazendo fluir aos homens orientações espirituais para a sua evolução.
Segundo a tradição religiosa estes períodos de influência ocorriam em ciclos de 300 a 350 anos :
Micael: de 550a.C. a 200a.C.
Orifiel: de 200a.C a 150d.C.
Anael: de 150 a 550d.C.
Zacariel: de 550 a 800d.C.
Rafael: de 850 a 1190d.C.
Samael: de 1190 a 1510d.C.
Gabriel: de 1510 a 1879d.C.
Micael: de 1879 até os nossos dias
Levando em conta a noção de tempo e espaço da consciência moderna estas datas devem ser tomadas como marcos aproximados. Quando observamos estas grandes passagens do tempo na evolução humana não podemos esquecer que o processo de desenvolvimento humano é lento e gradual embora dinâmico.
A nova época Micaélica que teve início em 1879 marca o início de um novo estado de consciência quando as manifestações culturais e as descobertas da ciência natural mostram que o ser humano deixou de sentir que recebia as idéias de “cima” mas sim que estas se originavam de uma atividade do próprio pensar. E o que antes era para ele inspiração do mundo espiritual, começou a se tornar propriedade de sua alma. A partir desta época começa a luzir nas almas humanas uma nova presença de espírito: sou eu quem produzo os pensamentos que vivem em mim! O pensar é a essência da minha alma!
No início do século XX Micael ressurge nas pinturas de Wassily Kandinsky, o pai da arte moderna. Em 1909 ele escolhe a luta de Micael contra o dragão como tema de sua pintura e de todo o seu empenho na renovação da espiritualidade na arte. Kandinsky fazia parte do grupo de russos que freqüentavam as palestras de Rudolf Steiner em Munique nas quais este falava de um limiar de uma nova espiritualidade.
O Micael dos quadros de Kandinsky representava o triunfo do espírito sobre a matéria.
Ao longo do século XX Micael vai encontrar sua expressão na Antroposofia através da pedagogia waldorf e nos movimentos de apoio ao desenvolvimento de adultos.
Em inúmeras palestras Rudolf Steiner refere-se a esta nova regência de Micael que se iniciou em 1879, como uma transformação de sua missão espiritual .
Na sua nova atuação Micael tem a tarefa de libertar continuamente os pensamentos da região da cabeça onde eles tendem a se cristalizar e os trazer para o coração onde eles se revitalizam e se tornam criatividade.
Sua presença torna-se viva no íntimo daqueles que percebem na luta, por manter o pensar vivo, uma orientação a respeito dos caminhos certos a serem percorridos no seu autodesenvolvimento.
Edna Andrade
Referências bibliográficas:
Ciência Oculta – Rudolf Steiner – Editora Antroposófica
Passeios através da história – Rudolf Lantz – Antroposófica
Citação do Riobaldo colhida no artigo de Marilda Milanesi: O encontro com o mal no caminho de desenvolvimento do homem moderno, publicado no Boletim 59 da Sociedade Antroposófica